Evaristo Miguel, a 29 de Dezembro de 2021.

A problemática do financiamento do ensino superior público surge com as instituições de Bretton Woods ( Banco Mundial e o FMI), o Banco Mundial, por exemplo, considera como sendo prioritário à educação básica, justificando destarte a retirada do Estado da responsabilidade com a educação superior. O BM parte do pressuposto de que o ensino superior não é um bem público, por isso, não deve ser o foco do Estado. [1]

Em Angola, no entanto, o ensino superior público, durante décadas (de 1975 a 2020) foi totalmente financiado pelo Estado, por meio de seu Orçamento Geral.  O período pós-laboral, porém,  desde a sua criação (2000)[2] sempre foi comparticipado. Todavia, a crise que afeta a economia angolana, devido a queda do preço do barril de petróleo no mercado internacional, fez com que se reduzisse substancialmente as receitas públicas, desafiando os gestores das instituições de ensino superior públicas a encontrar alternativas que possam minimizar o impacto negativo da redução das fontes tradicionais de financiamento. Nessa perspetiva e com vista a diversificar as fontes de financiamento das instituições de ensino superior públicas, foi revogado o Decreto Presidencial n.º90/09 e aprovado o Decreto Presidencial n.º310/20, de 7 de Dezembro[3], que institucionalizou o princípio da responsabilidade financeira do estudante, fazendo com que os estudantes – diurnos e noturnos[4] – comparticipassem com uma parcela para à sua formação. Dessa forma, o Estado deixou de ser o único financiador do ensino superior público em Angola.

Essa medida veio, de certa forma, suavizar a desigualdade existente na altura, no entanto, não resolve a situação, pois,  segundo o Dec. Presidencial n.º 124/20, de  4 de Maio, (Regulamento sobre Propinas, Taxas e Emolumentos nas instituições públicas de ensino superior), os estudantes diurnos devem comparticipar com 1900 kwanzas (mil e novecentos kwanzas) – equivalente a 3.5 euros[5] – e os noturnos com 15.000 (quinze mil kwanzas) – equivalente  a 25.85 euros[6]. Nota-se, claramente, que existe um tratamento diferenciado entre os estudantes diurnos e os estudantes noturnos.

Tem se levantado dois argumentos a favor desta discriminação: primeiro, parte-se do principio de que o estudante noturno é, grande parte das vezes,  trabalhador dispondo, por isso, de capacidade económica para fazer face às despesas do ensino superior e o segundo argumento, por seu turno,  é que o ensino noturno é autofinanciado[7].

A nosso ver, o argumento  segundo o qual os estudantes noturnos dispõem de capacidade contributiva não é crível, porquanto, um inquérito realizado com os estudantes noturnos do 3.º ano do curso de Direito da Faculdade de Direito da Universidade Agostinho Neto  demostra que, dos 100 estudantes inqueridos, apenas 15  são trabalhadores, sendo certo que os 85 restantes são desempregados, dependendo de familiares para costearem os encargos decorrentes da sua formação. A bem da verdade, muitos estudantes matriculam-se no ensino superior noturno devido a insuficiência de vagas no período diurno[8], daí que nem sempre o ensino pós-laboral está ligado com questões laborais.

Quanto ao segundo argumento, que considera  o ensino noturno como sendo  autofinanciado, também não parece ser crível pelo facto de o regulamento que estabelece  as taxas e/ou mensalidades a serem cobradas nas Instituições de Ensino Superior Públicas, no seu artigo 10.º, dispor que “a integralidade das receitas arrecadadas na cobrança de propinas e emolumentos destinam-se à cobertura dos seguintes encargos das Instituições Públicas de Ensino Superior: (a) Custos decorrentes da provisão dos diferentes serviços; (b) remuneração do pessoal docente especialmente contratado; (c) remuneração suplementar do pessoal docente e não docente, nos termos da lei; (d) aquisição e manutenção de equipamentos e meios de apoio aos processos de ensino e de investigação e, (e) financiamento de projectos estruturantes na instituição em que o estudante está matriculado”.

Ora, facilmente se consegue perceber que o financiamento efetuado pelos estudantes diurnos e noturnos servem para cobrir as despesas gerais das universidades públicas, por isso, não é justo que um grupo de pessoas (estudantes noturnos), tenham que suportar  de forma desproporcional com os encargos do ensino superior público.

Assim, se a intenção é a diversificação das receitas das Instituições de Ensino Superior Públicas, todos devem comparticipar de forma igualitária. No entanto, nada obsta que haja uma isenção de comparticipação para aqueles estudantes – diurnos ou noturnos – que, de forma comprovada, não consigam comparticipar com despesas do ensino superior público, nomeadamente através da atribuição de bolsas de estudos e/ou a criação de quotas.

Para concluir, importa chamar à atenção da necessidade de não conduzirmos as políticas públicas ligadas ao ensino superior pela visão de uma instituição bancária, porquanto o direito à educação é um direito social, e os bancos não estão preocupados como a materialização e/ou promoção dos direitos sociais, visto que, a sua atividade visa, essencialmente, a obtenção do lucro. Nessa perspetiva, não se pode aceitar que ensino de base seja o único foco do Estado, pois os professores do ensino de base vêm do ensino superior.

 

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[1] JACOMINI, Maria Simone, “O Ensino Superior na perspectiva do Banco Mundial: algumas considerações” Outubro de 2009, p.5.

[2] O ensino noturno, nas universidades públicas angolanas, foi criado por meio de uma deliberação do conselho cientifico da UAN.

[3] Disponível em: https://www.legis-palop.org.

[4] Segundo o artigo 8.º do Dec. Presidencial n.º124/20, de 4 de Maio, os estudantes diurnos comparticipam com 10% e os noturnos com 60%.

[5] De acordo com a taxa de câmbio fixada pelo Banco Nacional de Angola no dia 14.12.2021, Disponível em: www.bna.co.ao.

[6] Idem.

[7] Argumentos apresentados pelos gestores das Unidades Orgânicas da UAN, por meio  de entrevistas.

[8] O acesso  as Instituições de Ensino Superior Públicas em Angola é extremamente difícil, para se ter uma ideia, no ano lectivo 2021 inscreveram-se mais de 46 mil candidatos, para 5.095 vagas disponíveis. Disponível em: www.jornaldeangola.co , acesso, aos 14.12.21.