Emellin de Oliveira, a 16 de Junho de 2021

Em 2017, tive o gosto de escrever um projeto que visava a criação de uma Clínica Jurídica em matéria de Direito de Asilo na Faculdade de Direito da Universidade NOVA de Lisboa (atualmente, NOVA School of Law). Infelizmente, o projeto não logrou êxito, mas a ideia manteve-se viva e foi apresentada pelo Senhor Professor Francisco Pereira Coutinho na Reitoria da Universidade. 

Assim, em 2019, duas unidades orgânicas da Universidade – NOVA School of Law e a Escola Nacional de Saúde Pública – uniram-se para desenhar o projeto piloto, que seria executado no ano seguinte, para a criação da NOVA Refugee Clinic, que contaria com duas clínicas: a clínica de saúde (Health Clinic) e a clínica jurídica (Legal Clinic). O que não contávamos era com uma pandemia em 2020 que nos obrigasse a mudar o plano de execução inicial. Nomeadamente, a equipa da Escola Nacional de Saúde Pública, coordenada pela Senhora Professora Sónia Dias, teve de dedicar-se à investigação sobre a COVID-19. 

Acreditando no projeto e na inovação para o estudo da ciência jurídica, e com o intuito de unir as duas vertentes do Direito (Law in the books + Law in action), tive o gosto de unir-me ao Senhor Professor Francisco Pereira Coutinho e fundar em 2020 a NOVA Refugee Clinic – Legal Clinic (NRC).

A pergunta que pode surgir após esta introdução é: o que é exatamente uma clínica jurídica?

Segundo Lydia Bleasdale & al., não é evidente a definição de uma clínica jurídica, mas os autores apontam algumas características comuns à educação a ser desenvolvida via clínicas jurídicas, quais sejam: a prestação de um apoio jurídico (real ou simulado); e a participação de estudantes, que atuam sob supervisão profissional, sempre que necessário. Neste sentido, os mesmos autores propõem que as Clínicas Jurídicas sejam compreendidas como:

Qualquer atividade clínica – curricular ou extracurricular – em que cada estudante assume a responsabilidade pelo trabalho jurídico (de apoio ou investigação) para um cliente (real ou fictício) em colaboração com um supervisor. As estruturas permitem que cada estudante receba feedback sobre as suas contribuições e aproveite a oportunidade de aprender com as suas experiências através da reflexão sobre questões práticas, sobretudo no que toca as dimensões éticas e ao impacto da aplicação das leis (tradução livre nossa).

Os referidos autores também atentam para o facto de que este conceito é flexível, existindo clínicas que incluem no seu projeto educativo o empoderamento de comunidades específicas e a sensibilização de públicos estratégicos sobre matérias identificadas como relevantes. A partir do desenvolvimento da definição inicial de clínica jurídica, surgem outras atividades que podem ser consideradas na criação das clínicas, tais como: a educação jurídica pública (também conhecida como Streetlaw), bem como os projetos de investigação e as ações de sensibilização e capacitação.

Neste sentido, Donald Nicolson alude que as clínicas jurídicas podem desempenhar um papel importante na garantia do acesso à justiça de forma direta, ao facultar a informação diretamente ao indivíduo que carece de orientação; mas também de forma indireta, inspirando os estudantes a atuarem em prol da justiça social, durante e depois da sua experiência na clínica.

Assim, voltando à NRC, o modelo clínico escolhido inclui duas vertentes: o apoio à comunidade – quer por meio da produção de informação sobre o direito de asilo em Portugal, quer pelo encaminhamento consciente de casos aos serviços e às entidades competentes –; e ações de sensibilização e conscientização (seminários, conferências, webinars e blog posts) e capacitação (cursos e treinamentos).

Para alcançar os objetivos supra, a equipa – seja a de coordenação, seja a de membros – cresceu no decurso do primeiro ano de atividade (2020), de modo a que atualmente contamos com 37 pessoas.

Em jeito de conclusão, importa referir que, independentemente do modelo a ser adotado, as clínicas jurídicas devem ser encaradas como um método educativo que, além de cumprir a terceira missão das Universidades (a contribuição à comunidade, que segue ao lado do ensino e da investigação), permite a aproximação do Direito à Justiça. Contudo, a simples criação de uma clínica jurídica num contexto universitário não é suficiente para garantir o impacto social almejado. Deve-se ir além da mera profissionalização do Direito, permitindo a reflexão das normas jurídicas e da sua prática, de modo a criar a conscientização (coletiva e individual) sobre o significado real de justiça social. E esta consciência deve refletir-se não apenas para o exterior, mas – e sobretudo – para o interior da clínica, ou seja, em cada membro que a compõe.

Por isso, tomo a liberdade de terminar esta curta análise com palavras que não são da minha autoria, mas foram escritas por Emilio Santoro em italiano. Por concordar tanto com o pensamento deste autor, limito-me à sua tradução livre: A minha esperança é que o método clínico se configure num instrumento de ensino utilizado não para complementar os cursos tradicionais – baseados em textos jurídicos com uma parte prática-profissional -, mas para rever radicalmente o ensino do direito. […] Se as escolas de direito optarem por reduzir as clínicas jurídicas a uma mera ferramenta profissionalizante, perdem uma oportunidade histórica de repensar o ensino do direito, abandonando uma conceção ideológica do fenómeno jurídico que os seus estudiosos conhecem, há pelo menos meio século, estar ultrapassado. O método clínico, se utilizado de uma forma que não seja acessória ao ensino tradicional, pode ser o pivô de cursos de licenciatura jurídica capazes de forjar autonomia crítica e, portanto, de produzir estudantes capazes de serem inovadores e não conformistas.

 

Emellin de Oliveira é Cofundadora e Coordenadora Executiva da NOVA Refugee Clinic, sendo ainda investigadora do Centro de Investigação e Desenvolvimento sobre Direito e Sociedade (CEDIS) e Doutoranda em Direito na NOVA School of Law, cuja investigação visa analisar juridicamente a relação entre Migração e Segurança na União Europeia. Email: emellin.oliveira@novarefugeelegalclinic.cedis.fd.unl.pt