La Salete Coelho e Rui da Silva, a 23 de Fevereiro de 2021.
Na política externa portuguesa, sobretudo desde 2015, a língua portuguesa tem-se revestido de uma importância estratégica basilar, sendo considerada um valor fundamental e promovida através de projetos ligados à educação.
Esta estratégia é mobilizada, por exemplo, na concessão de bolsas de estudo concedidas em Portugal a estudantes estrangeiros e no apoio aos sistemas educativos nos diferentes Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP). Desta forma, a língua portuguesa passou de uma imposição inicial por estruturas de colonialismo surgindo agora como instrumento de manutenção de relações de colonialidade cultural, mais duradouras e de caráter simbólico.
É importante termos isto em consideração quando pensamos a Cooperação para o Desenvolvimento e no Direito à Educação nos sistemas de ensino dos PALOP, uma vez que quando falamos de língua temos de reconhecer que não estamos a falar só de palavras: em primeiro lugar porque a língua representa uma visão particular do mundo; e em segundo porque a promoção de uma língua, em vez de outra ou outras, nunca é neutra. Traz sempre consigo questões de poder reduzindo o que poderá ser cunhado como geografia do conhecimento.
Neste contexto, advogamos que as políticas de cooperação, e a interferência destas nos sistemas educativos, devem adotar uma perspetiva crítica de Educação para a Cidadania Global, procurando modos mais coerentes de lidar com questões de poder, descolonizando o domínio das línguas hegemónicas e da consequente preponderância do conhecimento científico hegemónico. Importa lembrar, a este propósito, os estudos de Spivak nos quais esta se refere à “violência epistémica do colonialismo” (apud Andreotti, 2014, p. 61), violência que afeta quer o colonizador (não permitindo que este se torne consciente da sua situação de dominação) quer o colonizado (criando neste o desejo de ser civilizado de forma a participar do desenvolvimento que reconhece no colonizador).
Não se trata aqui de romantizar outras línguas ou conhecimentos, mas reconhecê-los enquanto conhecimentos invisibilizados, permitindo uma ecologia dos saberes que capacita “para uma visão mais abrangente daquilo que conhecemos, bem como do que desconhecemos, e também nos previne que aquilo que não sabemos é ignorância nossa, não ignorância em geral” (Santos, 2010: 56).
Uma abordagem multilíngue e a inclusão de outros saberes podem ser primeiros passos, dando visibilidade ao que é produzido noutras línguas, geografias e proveniente de diferentes mundividências, indo além do monopólio da língua, geografia e sistema de conhecimento mais poderosos, colocando em diálogo várias linhas de pensamento, abrindo portas a zonas periféricas, na Europa ou para lá da Europa.
Referências bibliográficas:
Andreotti, V. (2014). Educação para a Cidadania Global. Soft vs Critical. Sinergias – diálogos educativos para a transformação social, 1, 57–66 (versão traduzida do original, em inglês, de 2006).
Santos, B. S. (2010). Para além do pensamento abissal: das linhas globais a uma ecologia de saberes. In B. S. Santos & M. P. Meneses (Eds.), Epistemologias do Sul (pp. 23-71). Coimbra: Edições Almedina.