Patrícia Jerónimo, a 25 de janeiro de 2021.

A defesa do multilinguismo e do uso das línguas maternas como primeiras línguas de instruçãofeita pela UNESCO desde a década de 1950 e replicada em foros académicos e intergovernamentais (como União Africana) ao longo dos anos, tem tido pouco eco nas políticas educativas dos Estados Africanos, com pouco mais do que experiências piloto e reformas pontuais, quase sempre limitadas ao Ensino Primário. 

As razões são bem conhecidas e prendem-se com a resistência oferecida por pais, professores e decisores políticos, que invocam o interesse das crianças em aprender a língua oficial (o único meio de mobilidade económica e social), os elevados custos do ensino nas/das línguas maternas africanas (por exemplo, os materiais didáticos e a formação de professores) e os riscos daí decorrentes para o desenvolvimento do país e para a unidade nacional. Subjacente a esta resistência está a perceção, muito arreigada, de que as línguas africanas são arcaicas e inferiores à língua oficial (de comunicação internacional) e de que a aprendizagem das/nas línguas africanas é fonte de confusão e prejudica a aquisição de línguas mais úteis.

Não têm faltado estudos empíricos cujos resultados contrariam esta perceção (mostrando que a aprendizagem na língua materna facilita a aquisição de outras línguas) e atestam os efeitos nefastos do ensino monolingue da/na língua oficial (como as reprovações e o abandono escolar), como notou a UNESCO nas recomendações que emitiu sobre a matéria em 2010.

Segundo a UNESCO, os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e o respeito pelos Direitos Humanos (educação, cultura e igualdade) exigem que os Estados africanos se dotem de Sistemas de Ensino multilingues, em que as línguas maternas coexistam com a língua oficial desde a educação primária até ao Ensino Superior. Recordando que as línguas se desenvolvem com o uso e que todas as línguas podem ser usadas para qualquer fim, a UNESCO defende que as Línguas Africanas podem ser desenvolvidas para uso académico e funcionar como veículo de ciência e tecnologia, com a vantagem de preparar os estudantes universitários para trabalhar no setor informal que representa 75% do mercado de trabalho. 

Na África Lusófona, como no resto do continente, as recomendações da UNESCO et al. não têm tido o eco desejado e, apesar de ser hoje mais comum a valorização das Línguas Africanas como parte da cultura e da identidade nacional (artigo 21.º da Constituição angolanaartigos 7.º e 78.º da Constituição cabo-verdianaLei n.º 4/2003 de São Tomé e Príncipe), a língua de instrução e de ciência continua a ser a Língua Portuguesa

O quadro legal aplicável ao sistema educativo – largamente decalcado de diplomas congéneres em vigor em Portugal – assume que o objetivo é a proficiência em Língua Portuguesa e em línguas estrangeiras (Decreto Presidencial n.º 193/18 de AngolaLei n.º 2/2003 de São Tomé e Príncipe), sendo escassas as referências às línguas maternas ou nacionais (Decreto Presidencial n.º 201/11 de AngolaDecreto-legislativo n.º 13/2018 de Cabo Verde). A esta situação não é alheia, naturalmente, a Cooperação prestada pelo Estado Português, que está apostado na promoção do multilinguismo da produção científica, contra a hegemonia da Língua Inglesa, através da difusão internacional da Língua Portuguesa como língua de trabalho em CiênciaUm multilinguismo equilibrado em Ciência, que concilie os interesses de internacionalização com os de produzir conhecimento socialmente relevante, é um bom objetivo que pode beneficiar tanto a Língua Portuguesa como (algumas d)as línguas maternas dos Estados africanos lusófonos. Necessário é que haja visão estratégica, vontade política e uma mensagem coerente aos grupos de interesse (investigadores, professores e alunos) e à sociedade em geral.